terça-feira, 1 de novembro de 2016

Prefeito e vice de Botucatu são evangélicos: A religião na politica e na história de Botucatu

Peres (vice), Pardini (prefeito eleito) e João Cury, atual prefeito

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B O A T O S

CRISTÃO x CRISTÃO

GLORIA AO SENHOR

NA CAMARA

77 MIL CATÓLICOS; 35 MIL EVANGELICOS E 
227 ATEUS VIVEM E VOTAM EM BOTUCATU

CIDADE DOS BONS ARES, BOAS ESCOLAS
E DAS IGREJAS REVOLTOSAS
Muito se tem falado sobre a eleição do pastor licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus, Marcelo Crivella (PRB), no Rio de Janeiro e o prefeito e vice eleitos de Botucatu, também evangélicos.  

Durante o processo eleitoral em Botucatu o assunto “religiosidade” não foi colocado em pauta, mas o tema esteve presente nos bastidores, durante os dois meses de campanha.

Embora o assunto seja tratado como novidade, não é a primeira vez que um evangélico governa Botucatu. O ex-prefeito Luiz Aparecido da Silveira (Lico) no final dos anos 60 (1968) e meados dos anos 1970, governou a cidade por duas vezes, era da Igreja Presbiteriana. Ele disputou eleições pelo MDB e mudou para a Arena e depois PDS, os dois últimos alinhados ao governo militar.

Em 2016, dois dos cinco candidatos se declararam evangélicos em Botucatu:  os eleitos Mário Pardini (PSDB) e seu vice André Peres (PCdoB), respectivamente das igrejas Batista e Assembleia de Deus. O outro foi Reinaldo Mendonça (Reinaldinho-PR) terceiro mais votado. O vice de Reinaldinho, Lelo Pagani é católico.
Campanha de Lico Silveira/Arquivo de
Fernando Bruder/Facebook

Mário Ielo (PDT), Daniel de Carvalho (PSOL) e Erick Facioli (PT) não declararam durante a campanha eleitoral seguir qualquer religião, embora já tenham dado declarações de serem Católicos.

O prefeito eleito Mário Pardini Affonseca quando esse assunto foi abordado, na Radio Clube FM, afirmou que vai governar para todos, respeitando a pluralidade religiosa e governamental, mas ressaltou ter seus valores cristãos também serão levados em conta nas suas decisões.

B O A T O S
Nas conversas de bastidores chegou a circular um boato de que João Elias (SD) e Fontão (PSDB), ligados a movimentos religiosos da Igreja Católica não disputaram a reeleição/2016 devido à escolha de evangélicos no PSDB. Fontão nega e afirma estar à disposição de Pardini e do PSDB para ajudar no que for possível. O Tucano recentemente disse a Radio Clube FM que iria se dedicar a outros projetos pessoais e sociais.

Fontão há algumas semanas apresentou a denominação de nome de uma nova rua no centro, de “Arcebispo D. Vicente Zioni”, entre o Seminário Arquidiocesano e a Secretaria de Educação. Ele também apresentou pedido para instalação da TV Canção Nova, ligada ao Movimento Carismático Católico na cidade. O blog não conseguiu falar com João Elias (Solidariedade).

A vereadora eleita Jamila Cury Dorini (PSDB) declarou em algumas entrevistas ter disputado as eleições de outubro passado, estimulada pelo Papa Francisco que afirmou ser o envolvimento com a política uma obrigação de todo Católico com a sociedade. Jamila foi uma das vozes mais enfáticas da campanha pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT) na cidade.

Alessandra Lucchesi integra diversos movimentos católicos, sendo um deles ligados à pastoral da educação. Ela foi secretária de Educação do Município.

CRISTÃO x CRISTÃO
Durante o processo eleitoral o evangélico Reinaldinho (PR) denunciou o evangélico e pastor André Peres (PCdoB) por crime eleitoral, na veiculação de um jornal religioso destacando a chapa 100% cristã evangélica em 2016. O processo está aguardando decisão. O PSOL pede a cassação do registro de Pardini e Peres (PSDB-PCdoB).

Também houve uma denuncia de visita eleitoral do candidato do PSDB ao projeto educacional Joanna de Angelis (ligado aos Espiritas). O processo foi arquivado


GLORIA AO SENHOR
Jornal evangélico que circulou destacando a chapa religiosa
Após a divulgação do resultado das eleições alguns pastores escreveram em seus perfis na rede social, que Botucatu havia sido conquistada para a "gloria do senhor", devido à eleição de dois evangélicos, em um município que sedia uma das maiores arquidioceses do Estado e uma diocese que abrange aproximadamente 22 cidades. 

Estão sediadas em Bauru, Ourinhos, Marilia, Lins, Assis, Araçatuba e Presidente Prudente, as dioceses sufragâneas, vinculadas à Arquidiocese de Botucatu, que começa em Laranjal Paulista e vai até o Rio Paraná (oeste de SP), fronteira com o Paraná e margeando o Rio Tieté até Presidente Prudente.

NA CAMARA
O perfil do legislativo também tem um traço importante de militantes religiosos, como Jamila Cury (PSDB) e Alessandra Lucchesi de Oliveira (PSDB), ambas com expressiva votação e ativistas de movimentos como TLC, Encontro de Casais, entre outros. Na Câmara também está o declarado evangélico convertido vereador Antonio Vaz  de Almeida (Cula), recém-eleito, pelo PSC - Partido Social Cristão.

Entre 1948 e 1952, foi eleito o gráfico e ativista religioso Jose Carlos Fortes, que durante muitos anos foi diácono. Ele além de vereador editava o jornal Monitor Diocesano. Foi ordenado padre por D. Aloysio Leal Penna em 2004.

Do ponto de vista de serviços oferecidos  á comunidade, católicos, evangélicos pentecostais e seculares, além de espiritas, desenvolvem trabalhos comunitários em parcerias com a Prefeitura Municipal em inúmeros projetos educacionais (como creches e ensinos fundamental e médio- veja mapa de todas as escolas da cidade) e de saúde (especialmente na recuperação de drogaditos em geral).  

O caso mais recente de parceria religiosa é a Igreja Anglicana, que mantem um  projeto educacional na região Norte. 


77 MIL CATÓLICOS; 35 MIL EVANGELICOS E 
227 ATEUS VIVEM E VOTAM EM BOTUCATU
Botucatu tem uma população estimada (2016-IBGE) de 141.022 habitantes e segundo o Censo 2010, abriga uma população estimada de 77.722 católicos e 35.010 evangélicos (em diversas denominações religiosas). Os espíritas somam 2.987 pessoas.

As igrejas mais importantes são: Católica Apostólica Romana,  Presbiteriana, Presbiteriana Independente,  Metodista, Batista (do prefeito eleito), Congregação Cristã no Brasil, Assembleia de Deus,  Brasil para Cristo, Igreja do Evangelho Quadrangular e Igreja Adventista do Sétimo Dia.

Segundo o IBGE, além dos mais de 77 mil Católicos Apostólicos Romanos outros 102 se declararam Católicos Apostólicos do Brasil, igreja que teve seu fundador ex-bispo católico em Botucatu. 

Não há uma precisão religiosa nas declarações dos botucatuenses entrevistados pelo IBGE. 

Os evangélicos seculares dividem-se de acordo com o Censo- 2010, em 215 Luteranos; 66 Metodistas (links abrem localizações dos templos); 1.585 Presbiterianos, sem especificar se são Independentes ou do Brasil. Muitos cristãos seculares se declararam 'pentecostais'. 

Declararam-se evangélicos pentecostais 21.040 pessoas sendo as igrejas Assembleia de Deus (várias denominações) 8.924 pessoas; 3.940 da Cristã do Brasil; 1.747 da Quadrangular do Brasil e Brasil para Cristo 1.119.

A Igreja Universal do Reino de Deus, que tem até um partido político (PRB), e teve uma candidata a vereador (Dona Val-PRB, com 1.032 votos), tinha declarado 856 seguidores em 2010.

Em Botucatu 6.907 pessoas declararam não seguir nenhuma religião, 227 se consideram ateus e 202 agnósticos. Existem 13 judeus vivendo na cidade e 253 pessoas que se declararam umbandistas ou candomblecistas.

CIDADE DOS BONS ARES, BOAS ESCOLAS
E DAS IGREJAS REVOLTOSAS
Botucatu é uma cidade que primeiro teve suas origens na ocupação dos Jesuítas, que tentavam ‘civilizar’ os índios que viviam na região e frear os espanhóis que avançavam sobre o território lusitano. Depois vieram os Bandeirantes. O município vive seus conflitos entre os cristãos romanos e os seguidores s da reforma luterana desde o século XIX.

reportagens do extinto e
progressista jornal
carioca Correio da Manhã
Entre os próprios Católicos romanos tivemos no início do século passado (XX) um cisma com a fundação (no RJ) da Igreja Católica Brasileira, fundada pelo ex-bispo diocesano D. Carlos Duarte Costa. 

Décadas mais tarde houve o levante dos "padres rebeldes", como foram identificados os sacerdotes católicos que se rebelaram à  indicação do então novo  Arcebispo D. Vicente Marquetti Zioni. 

Os padres estavam preocupados com a posição centralizadora e 'conservadora' do novo arcebispo,que prometia disciplinar e conciliar com os padres de Botucatu e região. As igrejas foram fechadas e não foram celebradas missas com a 'greve dos padres'.

A greve dos padres coincidiu com movimentos de paralisação na FCMBB-Faculdade de Ciências Médicas e Biológicas de Botucatu, um dos embriões da Unesp. A greve dos padres atingiu várias cidades da região, incluindo Ourinhos e Assis. O movimento ganhou dimensão nacional e internacional, sendo acompanhado por grandes veículos de comunicação.

Há quem diga que o posicionamento dos padres da diocese, embora tenha sido traumático para a cidade, os envolvidos e para D. Zioni, contribuiu para a 'democratização' da instituição religiosa secular.

Essa igreja Católica do Brasil é um dos primeiros rachas depois da Reforma de Martin Lutero, sendo fundada por um carioca, ex-bispo de Botucatu, que chegou a ser excomungado (na década de 1937) por defender o casamento de padres e criticar o Papa Pio XII pelo apoio ao Nazismo. Ele também criticava a falta de posicionamento de Getulio Vargas em relação ao totalitarismo na Italia e Alemanha. (Veja aqui reportagens do New York Times sobre o assunto). 

Esse religioso chegou a colocar Botucatu no mapa da Revolução Constitucionalista, criando o Batalhão dos Caçadores Diocesanos (biografia em ingles). Segundo o jornal A Gazeta (SP), o bispo de Botucatu doou parte dos bens e ouro existente na diocese para a revolução, "inclusive a cruz peitoral do sacerdote", alem de mobilizar médicos e enfermeiras para as frentes de batalha, especialmente no sul de São Paulo.

Quando Botucatu estava se formando, no final do século XIX, abrigou dezenas de cristãos evangélicos americanos do sul, da igreja Presbiteriana (+ aquie alguns Batistas, se exilaram no Brasil (Botucatu, Americana, Curitiba e SP), depois da guerra da secessão. Há túmulos no cemitério de Botucatu com restos mortais desses imigrantes.

Diversos lideres protestantes estão sepultados no cemitério Portal das Cruzes, como Robert Meriwether e Domingos Soares de Barros

Os cristãos evangélicos trouxeram para a então ultima cidade 'civilizada' no século 19, a primeira escola com múltipla formação e também escola de musica, segundo o advogado e pesquisador da historia da cidade Armando Moraes Delmanto.

“... Botucatu já se constituía em importante polo irradiador de cultura e “boca do sertão”, entrada para a imensidão do interior...  Na segunda metade do século retrasado, a imigração dos americanos do sul, derrotados na Guerra Civil Americana, propiciou a que Botucatu passasse a ser importante sede do Protestantismo, inclusive com escolas, as melhores, criadas para atenderem à exigente clientela que tinha vindo de outra cultura e de outra realidade.

"Mesmo com a diminuição da presença física dos norte-americanos, no início de 1900, Botucatu continuava com a presença forte dos protestantes e sua influência na sociedade botucatuense.  Esse, acreditamos, o motivo principal da criação da Diocese de Botucatu, que teve no Monsenhor Paschoal Ferrari  o seu grande batalhador, sabendo motivar os chefes políticos de então e, com diplomacia, até os protestantes quanto à importância da criação de uma Diocese”.

A Igreja Presbiteriana do Brasil é uma especie de diocese regional centralizando o trabalho de várias cidades da região e 11 templos na cidade. A Igreja Presbiteriana Independente tambem existe há muitos anos em Botucatu. Há alguns dias o coral dessa instituição completou cem anos.

A tese de Delmanto - de que a criação de uma diocese em Botucatu - é uma resposta ao crescimento dos evangelicos na cidade, tem apoio em diversas pesquisas, sendo uma delas a de do pesquisador Maurício de Aquino, na "Criação da Diocese de Botucatu e a ação romanizadora de seu primeiro bispo, D. Lúcio Antunes de Sousa (1909-1923)", que produziu um trabalho na Unesp de Assis sobre a importância do primeiro bispo diocesano D. Lucio Antunes de Souza. 

Ele reproduz correspondências entre o bispo e o nuncio no Rio de Janeiro, no período do desmembramento da Arquidiocese de São Paulo, com as criações das dioceses de Campinas, Botucatu e Ribeirão Preto. Está implícito também o crescimento e a influencia dos maçons no município.

"...Continua afirmando que os católicos devem defender sua religião das ofensivas de todas “as seitas heterodoxas” e de “todas as sociedades anti- religiosas”. D. Lúcio não especificou quais eram essas “seitas” e “sociedades”, o que, de um lado, pode indicar o pouco conhecimento que o prelado tinha da realidade da diocese que iria assumir, e, de outro, uma astuta estratégia de alertar e mobilizar os católicos contra qualquer tipo de ataque à Igreja, propiciando a identificação móvel desses inimigos conforme as diferentes situações e interesses da Instituição. Em resumo, a Carta Pastoral ordena que os católicos se unam em torno de seus pastores, da explicitação destemida da fé, da boa imprensa, da moralização da política e, por fim, da obra dos seminários e do ensino religioso".

"Para auxiliá-lo em suas tarefas, D. Lúcio convidou os padres capuchinhos a se fixarem em Botucatu, o que ocorreu em 12 de abril de 1909. Estes padres -os clérigos que melhor conheciam o território da nova diocese - foram imprescindíveis na ação romanizadora de D. Lúcio, sobretudo os freis Daniel de Santa Maria e Modesto Rezende, companheiros do bispo botucatuense em suas árduas visitas pastorais, sem falar das funções que esses padres ocuparam como confessores do bispo, secretários e governadores do bispado. Além disso, os Capuchinhos continuaram suas missões no noroeste do Estado, na violenta região de Penápolis".

"Depois, chegaram os Missionários do Sagrado Coração, responsáveis, primeiro, pelo seminário, e, em seguida, pelas turbulentas regiões de Cafelândia e Bauru. Em 1912, o bispo trouxe para o Brasil as Irmãs Marcelinas com o intuito de fundar um colégio feminino".

"Em 1914, vieram os padres Lazaristas, depois de muita negociação entre o bispo de Botucatu e o Papa Pio X, para administrarem o seminário de Botucatu, inaugurado em 1911, o primeiro do interior paulista", escreveu.  
(as fontes estão destacadas nos links// para ampliar as fotos, clique na imagem)
(imagens do Correio da Manhã, da Biblioteca Nacional Digital)

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